45. 3224-4896
Publicado em: 05/07/2022

Pena é a resposta dada pelo Estado frente a alguém que, tendo transgredido, cometeu uma conduta tipificada como crime. Portanto, temos que a pena tem os chamados caracteres  retributivo, ou seja, o Estado retribui ao agente criminoso um castigo por sua conduta ilícita, visando a prevenção do cometimento de novos crimes e o reeducativo, ou seja, que visa que o apenado, em que pese tenha ofendido a sociedade, possa nela ser reinserido, com medidas que lhe permitam o contato e o retorno a uma vida normal após o cumprimento de sua pena, conforme se depreende da leitura do

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade..

O direito brasileiro prevê que as penas para os crimes são as privativas de liberdade, as privativas de direito e as pecuniárias. As primeiras se constituem em reclusão, detenção e prisão simples e são aplicadas conforme a gravidade dos crimes. Todas essas penas são as chamadas penas de prisão. As penas restritivas de direito consistem em serviços comunitários, interdição temporária de direitos, limitação de fins de semana, perda de bens e valores e prestação pecuniária. Já as penas pecuniárias são as multas.

Assim, as penas  privativas de liberdade são impostas somente após o término do processo criminal, com o chamado trânsito em julgado, ocasião em que o processo criminal se finda e não mais cabem recursos e o processo é encaminhado para a VEP, Vara de Execução Penal que executa a sentença conforme a Lei de Execução Penal (LEP).

A pena de reclusão é cumprida, incialmente nos regimes fechado, semiaberto ou aberto, mas não é cabível fiança e é aplicada aos delitos mais graves. Já a pena de detenção terá seu cumprimento iniciado nos regimes semiaberto ou aberto.

Há que se estabelecer diferença entre as modalidades de prisão em flagrante, preventiva e temporária, pois tais prisões podem ser decretadas antes do fim do processo. Mas, de toda forma, não há que se entender que, porque alguém esteja preso preventivamente, por exemplo, esteja recluso, já que o termo reclusão é aplicável somente à pena que somente subsiste a partir do final do processo, conforme nos traz o

Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução..

Entretanto, é preciso também entender que quando alguém é condenado a uma pena privativa de liberdade, tal pessoa tem uma restrição apenas no seu direito de ir e vir e a pena não abrange nenhum outro direito que não tenha sido discriminado na sentença ou na lei (perda do cargo, elegibilidade), conforme 

Art. 3º da LEP: Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei,

sempre mantendo o apenado, por sua condição de humano, o direito a dignidade da pessoa humana, direito esse que é alçado a categoria de fundamento constitucional balizador da Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição cidadã. Nesse diapasão, a própria LEP traz que o direito ao trabalho  é preservado pelo preso visto que lhe é salutar, considerando o caráter reeducativo da pena, serve para a manutenção do preso ou para compor alguma eventual indenização cabível à vítima do crime sofrido ou a seus sucessores, bem como também ser uma obrigação do apenado, conforme temos o entendimento a partir da leitura dos artigos da LEP abaixo enumerados:

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.

§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

b) à assistência à família;

c) a pequenas despesas pessoais;

d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado.

§ 1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo.

§ 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade.

§ 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado.

Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.

Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.

§ 1o. Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.           (Renumerado pela Lei nº 10.792, de 2003)

§ 2o Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.           (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003)

Art. 35. Os órgãos da Administração Direta ou Indireta da União, Estados, Territórios, Distrito Federal e dos Municípios adquirirão, com dispensa de concorrência pública, os bens ou produtos do trabalho prisional, sempre que não for possível ou recomendável realizar-se a venda a particulares.

Parágrafo único. Todas as importâncias arrecadadas com as vendas reverterão em favor da fundação ou empresa pública a que alude o artigo anterior ou, na sua falta, do estabelecimento penal.

Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

Também temos que o preso tem direito aos institutos da detração e da remição que são mecanismos com previsão legal capazes de reduzir o tempo e pena, possibilitando a progressão de regime e a obtenção de liberdade provisória ou definitiva. A detração diminui da pena o tempo cumprido em outras modalidades de prisão antes do término do processo, como prisão temporária, preventiva ou flagrante. Já a remição ocorre pelo trabalho ou estudo, conforme previsão na LEP.Tais institutos estão previstos nos artigos abaixo:

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011).

§ 1o  A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 2o  As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.  (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 3o  Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem.  (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 4o  O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 5o  O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação.(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)

§ 6o  O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011).

Já a intersecção desta parte do direito de Execução Penal com o direito Previdenciário se dá no sentido de que a Previdência Social é parte integrante da Seguridade Social, que é direito universal e obrigação do Estado, ainda que a primeira seja  obrigatória a todos os que exercem atividade remunerada e se constitui numa espécie de poupança coletiva se constituindo no entendido Seguro social que visa proteger riscos previsíveis como incapacidade laboral temporária ou definitiva, seja por doença ou acidente, envelhecimento e morte.

Dessarte, conforme vimos no artigo 41, em seu inciso III, o preso conserva seus direitos previdenciários quando está em período de graça ou que mantenha suas contribuições ao RGPS e que existem lacunas em nosso sistema legal no que se relaciona com a regulamentação da possibilidade de contribuição previdenciária do apenado, em função de atividade laboral desenvolvida no decurso do cumprimento da pena.. Entre esses direitos, merecem destaque: aposentadoria, salário-família, assistência médica, seguro de acidente do trabalho, auxilio-reclusão aos dependentes, etc.

Assim, ainda discorrendo sobre o texto legal traz que, conforme alteração da Lei 8213, no art. 59§§ 2º a , que não será devido o auxílio por incapacidade temporária para segurado recluso em REGIME FECHADO, que tenha sido preso depois da alteração legislativa inserida pela lei 13.846/19.

Como a Perícia Médica se vincula ao princípio da Legalidade, a alteração no texto legal especifica que o benefício não será devido ao segurado que cumpre pena em reclusão e em regime fechado, tão somente, não trazendo vedação ao preso recluso ou detido em regimes semiaberto ou aberto.

Decorrente ainda do princípio da legalidade, não é válido dizer, concluindo num silogismo simples que, se não tem direito ao benefício não pode o preso ser periciado, posto que em nenhum trecho do texto legal há referência, nesse artigo, à Perícia Médica ou ao direito de ser periciado, bem como impediria o cidadão que não seja filiado ou inscrito no Regime Geral de Previdência Social ou que não tenha a carência mínima para a concessão de pleiteado benefício previdenciário.

Ademais, conforme já citado anteriormente, de acordo com o artigo 126, II, parágrafo 4º, mantém o apenado o direito a contagem dos dias trabalhados se é vítima de acidente e, como é filiado ao RGPS tem o direito de ter sua incapacidade laboral periciada a fim de preservar seu direito legal de remição da pena, visto que, se não pode trabalhar por acidente, mantém o direito de remir tais dias parados.

Assim, negar ao cidadão recluso o direito à perícia médica fere mortalmente o ordenamento legal pátrio e se caracteriza em claro desrespeito da autoridade em questão, no caso o Perito Médico Federal, ao princípio da legalidade e, principalmente ao fundamento constitucional da dignidade humana, podendo, inclusive ser caracterizado como o crime de prevaricação contra a administração pública, previsto no Art. 319 do Código Penal, que ocorre quando o funcionário retarda ou deixa de praticar um ato que seria obrigatório, além de praticar um ato de ofício contra a disposição expressa da lei, satisfazendo seu interesse pessoal. A pena é de detenção de 3 meses a 1 ano, além da multa.

É o parecer, baseado no estudo dos diplomas legais citados e em convicção pessoal.

 

Emerson Malta Vilanova: Médico, CRM PR 17450: Perito Médico Federal, Chefe Adjunto da 22ª DRPMF: Advogado, OAB PR 81920.

O Direito do Apenado ao Exame Médico Pericial, considerando a Possibilidade Remição da Pena.